Dom Reginaldo Andrietta
Bispo Diocesano de Jales
Em meio à grande diversidade de expressões religiosas no Brasil, cuja liberdade está assegurada pelo artigo 5º, inciso VI, da Constituição Federal, os cristãos católicos têm o costume histórico de expressar publicamente sua fé de modo muito belo e inspirador. Um exemplo significativo é a celebração e procissão de Corpus Christi. Nesse dia, muitíssimas comunidades cristãs enfeitam ruas por onde caminham em oração com Cristo eucarístico. Qual é seu sentido?
Corpus Christi significa Corpo de Cristo. Desde o século XIII, a Igreja celebra essa solenidade enfatizando o sentido da eucaristia. Cristo a instituiu como memorial da sua paixão, morte e ressurreição. A densidade teológica, eclesial e espiritual desse memorial justifica esse dia dedicado à oração, à reflexão e à manifestação pública da fé cristã na eucaristia. Os Evangelhos, o Apóstolo Paulo e outros textos do Novo Testamento relatam o memorial eucarístico.
Na última ceia com seus discípulos, Jesus celebrou a páscoa, associando ao pão e ao vinho partilhados sua própria vida oferecida para a vida do mundo, confirmando o que Ele havia anunciado: “Eu vim para que todos tenham vida e vida em abundância” (Jo 10,10). Celebrando a eucaristia, a Igreja atualiza essa ação de Cristo. Sendo comunidade dos que creem em Cristo, a Igreja é, ela mesma, o corpo místico de Cristo, que tem por missão unir os seres humanos.
Uní-los implica reconciliá-los, transformando injustiças em solidariedade. Tal incidência comunitária e social da eucaristia faz com que a Igreja celebre o Corpus Christi de maneira pública, convidando todas as pessoas de boa vontade a se unirem em prol do bem comum, com ações em favor de pessoas necessitadas, supondo, também, outros estágios da caridade: promoção humana, reivindicação de direitos e participação direta na gestão da vida social.
A eucaristia é, pois, muito mais que uma celebração. Ela é uma dimensão fundamental da vida cristã que deve se manifestar na qualidade de nossas relações interpessoais e da organização de nossa vida social. Onde a vida e o pão são partilhados, Cristo está presente. Sua presença na eucaristia é mais que simbólica. Ela é real. Pela consagração, o pão e o vinho são substancialmente transformados em corpo e sangue de Cristo, que significam “vida para o mundo” (Jo 6,51).
Cristo está sacramentalmente presente sob as espécies de pão e vinho consagrados, significando seu corpo sacrificado e seu sangue derramado na cruz para salvação da humanidade. Ele continua presente na Comunidade Eclesial Missionária, pois esta é também o corpo vivo e vivificante de Cristo. Ele está presente nos cristãos e, finalmente, em todas as pessoas de boa vontade que vivem e atuam em comunhão, em prol da vida na sua integralidade e do bem comum.
A solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo desafia, portanto, as próprias comunidades cristãs a serem mais unidas, como testemunhas do amor almejado por Cristo à humanidade. Após a última ceia, Cristo rogou a Deus Pai por todos os que, por meio de sua Palavra acreditariam nele, para que se tornassem um (cf. Jo 17). Essa oração de Cristo inspira-nos a orar pela unidade dos cristãos e todos os seres humanos, e por suas ações comuns em favor da justiça social.
A ceia do Senhor tem, portanto, uma dimensão social, não podendo ser celebrada indignamente. Sua autenticidade deve ser comprovada sobretudo pela comunhão em Cristo e pela solidariedade para com os pobres e sofredores, com quem ele se identifica (cf. Mt 25,31-46). Por fim, ela não é intimista. Seus efeitos não se limitam ao coração. Afinal, por ela somos desafiados a superar discórdias, promover altruísmo e gerar um “estilo eucarístico de vida social”.
Fonte: CNBB